30.11.07

Conjura e Restauração de D. João IV

A figura do duque de Bragança, antes de se tornar D. João IV, tal como D. João VI, tem sido menosprezada por alguns autores, que, intencionalmente ou não, tentam passar a imagem de um homem frouxo e irresoluto, que empalidece em comparação com a sua esposa ambiciosa e espanhola por sinal, a qual terá rugido um “antes morrer reinando, do que viver servindo”... No entanto, uma nova leitura revela um perfil mais condicente com um homem com verdadeiro sentido de Estado, como se diz hoje em dia. Afinal, quando o grupo popular (no sentido em que englobava todos os estratos sociais) se designa "conjurados" ou seja, homens de posição que se juntam em segredo, para arquitectar com todo o cuidado o derrube de um poder instalado, que já havia extinguido anteriores tentativas de dissidência. Estes não são uns meros cidadãos temerários, sem nada a perder; antes demonstram que tudo foi muito bem pensado e combinado, no mais profundo sigilo para não comprometer revolta. Do outro lado estava uma das maiores potências do mundo, bem armada e posicionada para esmagar qualquer rebeldia. Portanto, D. João IV, apesar de sempre vigiado e suspeito, teve a ousadia de perceber e ajudar a proporcionar as condições ideias para o sucesso da revolta, da qual esteve sempre em contacto, apesar de não ter participado directamente no assalto ao Paço, nesse dia 1º de Dezembro. E é claro que o super-herói musculado de capa e espada ou que se vira para a câmera e diz "hasta la vista baby" depois de despachar uma centena de mauzões, tem sempre mais encanto do que a personagem que manobra na sombra.

4.11.07

D. João VI

D. João VI tinha com certeza bastantes defeitos, mas muitos menos dos que se lhe atribuem. Penso que o retrato que melhor o descreve (e mais lisonjeiro), é o feito pelos Ingleses, talvez na sua gratidão por El-Rei ter obstinadamente cumprido a Aliança de Portugal com o Reino Unido, mesmo à custa do seu reinado em Lisboa... Por outro lado, a Historiografia das Repúblicas (as três, incluindo o Estado Novo, quer queiram quer não) nutre-lhe um desprezo máximo e tem usado este monarca e o seu reinado como o exemplo pior do que a Monarquia tem para oferecer, como se a Monarquia Constitucional fosse igual ao Absolutismo que então vigorava por quase toda a Europa. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, penso ser a imagem mais justa do sexto dos Joanes que reinaram em Portugal. D. João VI tem imenso a seu desfavor, começando logo com a sua aparência. Aquele aspecto de Porky Pig não lhe granjeia definitivamente muitas simpatias. Depois, a mãe louca também não é propriamente a melhor referência, assim como a debandada para terras de Vera Cruz aquando da 1ª Invasão Napoleónica; ou a associação do seu nome e dos seus descendentes à emancipação do Brasil, ou ao regímen Absolutista, ainda hoje abusivamente confundido com a Monarquia Constitucional, por alguns. Mas será o réu, perdão o rei culpado de todos estes "crimes"? Bem, com base em todas fontes que consultei até hoje, e principalmente, da comparação entre as correntes principais Inglesas e Portuguesas, surge o seguinte quadro: No dealbar do séc. X!X, Portugal era uma pálida imagem do que havia sido entre o séc. XV e o séc. XVI, onde Portugal era o país mais progressista da Europa. A Inglaterra e a França, que em 1452 ainda lutavam na Guerra dos 100 anos, enquanto Portugal já navegava o Atlântico Sul, por esta altura já avançam, literalmente, 'a todo o vapor' após encetarem a Revolução Industrial. Portugal não está em posição de enfrentar nenhuma das potências da altura, tendo ainda uma aliança com uma delas por respeitar ou quebrar. Equacionando as forças, uma era uma potência marítima (Inglaterra), a outra continental (França). A ligação marítima de Portugal às colónias era fundamental para a própria sobrevivência do reino. D. João VI, praticamente acabado de ser empossado, é confrontado com pressões terríveis de ambos os lados. O seu próprio Conselho de Estado está dividido. Tenta através da diplomacia e de todos os expedientes ganhar tempo e manter-se neutro. Chega-se mesmo a aventar um preço para Portugal pagar pela sua neutralidade. 1807 - Napoleão sabe que o bloqueio continental só pode resultar se os portos de Portugal e do Brasil estiverem efectivamente fechados aos Ingleses; e sabe também que Portugal nunca poderá submeter-se voluntariamente a essa pretensão. Com as tropas de Junot em marcha forçada, já dentro do território Português, o Rei ainda tinha esperanças de manter a neutralidade do país, pelo que as ordens eram da não hostilizar os Franceses. A fuga - inevitável. A história (e o próprio Napoleão, nas suas memórias) provou que estava certo. Claro que nunca saberemos o que teria acontecido, se tivesse decidido ficar e enfrentar os Franceses. Provavelmente seria visto com melhores olhos, mas o mais certo é que Napoleão tivesse investido muito mais em força contra Portugal, pessoalmente até, devastando o país ainda mais, com o resultado que tiveram os restantes países invadidos, com excepção da Rússia. A cobardia - há de facto uma certa dose de cobardia em fugir, seja para onde for for. Porém, por alguma razão é uma das estratégias mais bem sucedidas na Natureza. Os Árabes, pelos vistos antes de existirem os bombistas-suicidas, tinham um provérbio - "Fugir, para lutar mais um dia"; algo que teria possivelmente salvo a vida ao rei D. Sebastião, em Alcácer Kibir... e, talvez tenha... embora a reputação, essa perdeu-a de certeza... Certo é que ninguém chama cobarde a um árabe, pelo menos se der valor à vida. D. João VI foi um pouco cobarde, sim. Não pela fuga, mas pelos termos com que a desencadeou, sem deixar esperança ou uma orientação clara aos que ficavam para trás. Mas, dado o clima da época e a falta de preparação que D. João teve para reinar (não era o primogénito), ele próprio deve ter sofrido imenso com a decisão, que não foi só sua, mas de alguns conselheiros e da aliada Inglaterra. A desorganização da partida da Corte para o Brasil, indica que se tentou até ao último momento evitar a fuga. (Não seria a última vez que Portugueses seriam deixados à sua sorte – durante a 1º Guerra Mundial, em que a República recém-criada fez questão em participar, os soldados Portugueses, já de si mal-equipados, foram abandonados pelo governo e pelos seus superiores, facto que não seria esquecido pelo assassino de Sidónio Pais.) Porém, D. João VI mostrou, por outro lado, alguma coragem. Coragem que faltou a outros soberanos da Europa, que não usaram desafiar Napoleão. Ignomínia maior, pode-se dizer que foi a praticada pelo monarca espanhol, que, depois de fazer um acordo de protecção mútua com Portugal, pretendeu dividir o país com os Franceses, facilitando-lhes inclusive a passagem, e, involuntariamente, expôs-se ele próprio à ocupação. À vista do que se tinha passado em Espanha, onde o monarca espanhol havia sido capturado e substituído por um parente de Napoleão, era de facto imprudente continuar em Lisboa. Seja como for, sem este episódio negro na nossa História, não teria existido essoutro grandioso, da insurgência popular que abalou os "Conquistadores da Europa". Foi o início do declínio de Napoleão, como ele próprio reconheceu, com derrotas na frente Ocidental e depois na Oriental. O Brasil - Não é justo acusar D. João VI pela perda do Brasil. Pelo contrário, o rei, assim como D. Pedro, tinham uma visão muito mais ampla do que era Portugal e o Brasil - eles viam os dois territórios como um único - o Reino Unido de Portugal e Brasil. Foram os políticos de Lisboa, na sua visão mesquinha de conservar o Brasil como uma dependência secundária da Metrópole, como se fosse mais um território longínquo sem lei nem religião, que motivou a separação. O Brasil, tal como as restantes colónias, nunca foram suficientemente desenvolvidas (ou exploradas, chamem-lhe o que quiserem) por Portugal até ser tarde demais. Quanto a ser um soberano Absolutista, pai de D. Miguel, com tudo o que isso significa hoje, é preciso colocar as coisas no devido lugar. D. João VI foi um homem da sua época, assim como D. Miguel ou D. Pedro IV. E essa foi uma era de viragem. Foi ainda assim o primeiro rei Constitucional. Concluindo, D. João VI esteve longe de ser um rei pródigo, de pulso de ferro, à altura dos acontecimentos, mas não fica atrás da maioria das personagens do seu tempo. Não nasceu para ser rei, não nasceu para ser guerreiro (nem tinha físico para isso), mas acabou por ser mais influente do que a maioria dos seus pares. Na História de Portugal, cabe-lhe de facto o VI posto - atrás de D. Afonso Henriques, D. João II, D. João I, D. Manuel I, e D. Sebastião em importância e impacto nos destinos de Portugal.